domingo, 6 de dezembro de 2009

O jornal feito por pessoas e para pessoas


ENTREVISTA: Historiador e presidente da Academia Passo-Fundense de Letras, Paulo Monteiro

Acompanhando a evolução dos jornais impressos, o Diário da Manhã não ficou para trás. Assim como hoje, ele pode ser lido em qualquer parte do mundo através de seu site. Mas a tradição ainda perpetua no DM ao longo de mais de sete décadas. O jornal Diário da Manhã, assim como outras grandes publicações consagradas, se confundem com seus jornalistas, seus diretores. Falar em DM é falar em Túlio Fontoura, Dyógenes Martins Pinto, em Janesca Martins Pinto, em Ilânia Martins Pintos. Pessoas sérias, de palavra firme, que sempre se fizeram e ainda se fazem ouvi, gostem ou não de suas posições. Um jornal feito por pessoas para pessoas lerem, dialogarem com a informação. Um hábito costumeiro que já transcende a terceira geração de leitores que escutam as vozes locais através das páginas compostas por informações de credibilidade conquistada a cada edição. Nesta entrevista, o historiador e presidente da Academia Passo-Fundense de Letras, Paulo Monteiro, conta a evolução tecnológica pela qual o DM passou, desde sua relevância na sociedade e o hábito que se tornou ler o DM geração, após geração.
DM – O que há de mais notório na história do jornal Diário da Manhã?
Paulo Monteiro – O que há de mais notório da história desse jornal é, inegavelmente, a figurado seu fundador, Túlio Fontoura. A biografia dele, desde que chegou a Passo Fundo e se estabeleceu como jornalista, antes mesmo do DM, com o jornal A Luta, acaba-se confundindo com a história de Passo Fundo. Ele era um homem de idéias próprias, idéias firmes, era o tipo de jornalista que já não existe mais. Que não tinha medo de expressar suas opiniões, que não tinha a preocupação de agradar ou desagradar.
Acho que a cidade tem uma dívida com Túlio Fontoura, pelo exemplo de homem público que ele foi: como político, como cidadão, como apoiador da cultura. Nós, da Academia Passo-Fundense de Letras, que temos Túlio Fontoura como um dos fundadores em 7 de abril de 1938, reconhecemos essa dívida e sempre temos procurado preservar sua memória. Ele foi, por várias vezes, dirigente da Academia. Um homem que sempre a defendeu, que teve um papel muito importante em várias passagens da Academia e, acima de tudo, a figura dele como jornalista, como escritor.
Os editoriais do DM escritos por ele, que dormem nas velhas páginas do jornal, são verdadeiras obras-primas. Parece que ele meditava de caso pensado cada um de seus editoriais. Sempre no mesmo formato, no mesmo tamanho, um padrão de linguagem inconfundível.
DM – Qual foi a participação do DM na sociedade ao longo destes 74 anos?
Paulo Monteiro – O Diário da Manhã teve participação destacada na vida da comunidade, apoiando todas as iniciativas comunitárias e abrindo espaço para a publicação de trabalhos de escritores passo-fundenses. Não se pode escrever a história da cultura, da literatura, e a própria história de Passo Fundo nos últimos 74 anos sem recorrer às páginas do Diário da Manhã. Essas páginas guardam registro diuturno da história do município em todos os seus mais variados aspectos.
DM – Como foi a evolução do DM como meio de comunicação?
Paulo Monteiro – É evidente que é uma história rica, até mesmo do ponto de vista da evolução dos meios de comunicação, um jornal ainda do tempo dos tipos de caixa, depois evoluiu para a linotipo e teve todo um processo de evolução até chegar hoje com a impressão digital. Só a história, a evolução da tipografia manual para a composição eletrônica, a evolução, por exemplo, do formato standard até o tablóide, os vários layouts, só isso daria um estudo. Quem acompanhou a evolução da imprensa, do velho formato Standard para o tablóide que hoje se consolidou no Estado, também foi acompanhado pelo DM, evoluindo nesse processo.
DM – Como você vê a relação do DM com a cultura?
Paulo Monteiro – A grande contribuição do Diário da Manhã é em termos da cultura. Essa contribuição dos editoriais de Túlio Fontoura teve uma continuidade com Dyógenes Martins Pinto. Foi uma espécie de conservação de estilo, desse costume. E a evolução do jornal continua até hoje, mas sendo um jornal acima de tudo com posições firmes em defesa da comunidade.
DM – Qual sua opinião a respeito dos jornalistas que passaram pelo DM nestas sete décadas?
Paulo Monteiro – É interessante que se criou uma tradição em Passo Fundo de imprensa única no Estado, o que faz com que a imprensa local hoje seja reconhecida também pela qualidade dos profissionais que daqui saíram ao longo dos anos. Saíram grandes profissionais e temos grandes profissionais formados em Passo Fundo. O município parece que tem uma escola natural de jornalistas que transcende hoje a formação superior da universidade, passa pelo antigo curso de redator auxiliar do Cecy Leite Costa. Muitos desses profissionais passaram pelo DM e, seguramente, os jornalistas que estão hoje aqui certamente vão seguir este caminho, porque há uma espécie de predestinação de Passo Fundo em termos de qualidade de profissionais.
DM – Qual fato marcante que o DM trouxe algum impacto à sociedade local?
Paulo Monteiro – Todos recordam o cerco do DM em agosto de 1954, logo depois do suicídio de Getúlio Vargas, porque as posições firmes de Túlio Fontoura, desde a luta contra o Estado Novo, da luta pela redemocratização. Ele que tinha sido um dos pioneiros do processo de redemocratização antes do Estado Novo, tanto que participou da Revolução Constitucionalista de 1932, do grupo de comando do exército do general Candoca. Essa tradição liberal, contra o estado que se vislumbrava, ao lado de João Neves da Fontoura, Borges de Medeiros, de que a Revolução de 30 perderia o seu norte e se transformaria naquele regime que foi o Estado Novo.
Na luta pela redemocratização, o DM também esteve presente. Foi vítima do período de censura do Estado Novo e, depois, ao lado de um segmento muito grande da imprensa, cobrando transparência no governo populista de Getúlio Vargas, como a imprensa tem, ao longo da história, cobrado transparência de regimes populistas como o que vivemos hoje no Brasil, que é uma reedição do velho populismo.
DM – Túlio Fontoura e Dyógenes Martins Pinto se misturam com a história do DM?
Paulo Monteiro – Inegavelmente. A imprensa é formada por homens. Não se pode falar, por exemplo, no Estado de São Paulo sem a Família Mesquita, assim como em outros grandes veículos de comunicação. Então, a imprensa e os jornais que sobrevivem acabam se confundindo com nomes de pessoas que por eles passam e nomes de famílias porque o jornal não é um amontoado de papel ou imagens, sejam fotográficas, sejam de letras. O jornal é feito por pessoas de carne e osso. E as pessoas lêem exatamente porque sabem que é uma forma de dialogar com outros. Então, inegavelmente, os grandes jornalistas marcam os órgãos em que escrevem. Os jornalistas e grandes homens da palavra impressa ficam ligados aos jornais. É evidente que os jornalistas ou diretores como Túlio Fontoura, Dyógenes Martins Pinto, Janesca Martins Pinto e Ilânia Martins Pinto legam seus nomes aos jornais. São inseparáveis. Como os grandes colunistas, intelectuais públicos acabam sendo ligados aos jornais ou revistas que escrevem.
DM – Como foi a evolução do DM diante da sociedade?
Paulo Monteiro – Quando o DM surge, há 74 anos, Passo Fundo, apesar da sua importância e de ser já um centro regional, não era a cidade urbanizada que é hoje. Tínhamos velhos casarões de alvenaria e madeira. Hoje é um centro urbano com centenas e centenas de edifícios, com comércio, indústrias, 11 instituições de curso superior, enquanto o que tínhamos de mais importante, há 74 anos, era uma escola para formação de professores a nível médio. Hoje temos dezenas de cursos superiores.O transporte, na época, era o trem, hoje temos aviação. Estamos no tempo da Internet, e há sete décadas os artigos ainda eram manuscritos entregues à redação do jornal ou à máquina de escrever. E hoje temos o DM on line. Quer dizer, antes do jornal chegar em casa você já sabe o que ele vai trazer, através da Internet. Você tem acesso ao DM em qualquer parte do mundo pela internet. O jornal acompanhou essa evolução e só manteve esse prestígio e essa influência exatamente por isso. Quer dizer, começou com os velhos tipos de caixa, logo veio a linotipo, e assim que a impressão off-set começou a ter acesso além dos grandes veículos, o DM correu na frente.
DM – O que faz as pessoas buscarem pelo DM?
Paulo Monteiro – O que diferencia o DM é essa história de 74 anos. Quer dizer, os avós e bisavós dos leitores de hoje já liam o DM. As pessoas cresceram lendo o Diário da Manhã. Pessoas que hoje cresceram lendo com seus filhos, com seus netos e hoje estão lendo com seus bisnetos. Quer dizer, são três gerações fechadas e indo para a quarta ou quinta geração de leitores do jornal. E isso cria uma espécie de costume, o hábito da leitura. A pessoa já cresceu lendo o jornal. Seus filhos e seus netos cresceram lendo esse jornal. E isso se transforma em uma espécie de ligação afetiva e de credibilidade. Da mesma forma como a gente acredita na palavra das pessoas que conhecemos e confiamos, acreditamos na palavra dos jornais que conhecemos, que crescemos lendo e que confiamos. Repito, porque os jornais são, acima de tudo, feitos por pessoas para serem lidos por outras pessoas.
Por isso mesmo, que aquela imparcialidade que aprendemos de que enxugar os adjetivos, dá uma certa neutralidade, é relativa porque não existe imprensa neutra. Em toda imprensa tem sentimentos humanos. A pessoa vai fazer a cobertura de uma tragédia qualquer, de um acidente, de um crime brutal, lá está o sentimento dela. A pessoa vai fazer a cobertura de uma festa, de um grande evento, e lá está um outro tipo de sentimento. Então, é inseparável do jornal, é inseparável de qualquer veículo de comunicação a presença de sentimentos. E isso, 74 anos, são três gerações fechadas, mais outras se formando e isso você não apaga. Isso você não tira das pessoas.
DM – Qual a diferença que os leitores encontram entre um jornal local e um jornal de circulação estadual ou nacional?
Paulo Monteiro – Acho importante que as pessoas de Passo Fundo leiam jornais locais; que assinem os jornais de Passo Fundo porque lendo, assinando e divulgando os jornais daqui, a comunidade vai assegurar a voz de Passo Fundo. A importância do Diário da Manhã também se deve às amizades de Túlio Fontoura a nível nacional, mas até pelas antipatias que angariava pelas suas posições, mesmo assim ele era lido. Gostassem ou não gostassem das idéias ou das posições de Túlio Fontoura, as pessoas o liam. E da mesma maneira como ele acabava influenciando as pessoas que gostavam de suas posições, que se simpatizavam com os princípios esposados por ele ao longo da vida, as pessoas que não concordavam com ele também sofriam essa influência. Exatamente porque era homem de opinião, como homem de opinião também foi Dyógenes Martins Pinto e como o jornal até hoje, sob a direção de Janesca Martins Pinto e Ilânia Martins Pinto, tem tido opiniões determinadas, gostem ou não.
A imprensa de Passo Fundo representa a voz da cidade em todas as suas diversidades, com essa pluralidade de jornais e revistas que se expressam através dos seus órgãos de imprensa, assim como há 74 anos, uma parcela da cidade se expressa através do Diário da Manhã.
(A entrevista acima foi publicada no Caderno Especial A trajetória do jornal que fez a história de Passo Fundo, do jornal Diário da Manhã, de Passo Fundo, 28 e 29 de novembro de 2009).

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