quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Cruz e Sousa, o esquecido



Paulo Monteiro

No dia 24 de novembro de 1861, em Desterro, hoje Florianópolis, nascia João da Cruz e Sousa, negro puro, filho de dois escravos africanos legítimos, Carolina e Guilherme, alforriados por Guilherme Xavier de Souza, pouco antes de partir para Guerra Contra o Paraguai, conforme conta Abelardo F. Montenegro em (Florianópolis: Cruz e Sousa e o Movimento Simbolista no Brasil, Fundação Catarinense de Cultura, 1988).
Cruz e Souza exerceu múltiplas atividades profissionais: jornalista, professor, ator, e, por fim, ferroviário. Em vida publicou apenas dois livros, em 1893, Missal (prosa) e Broquéis (poemas), que bastaram para transformá-lo no “chefe da escola simbolista”. Postumamente saíram: Evocações (1898), prosa, Faróis (1898) e Últimos Sonetos (1905), ambos de poemas. Somente em 1923 foi lançada a primeira edição de sua Obra Completa. Todas essas edições póstumas, graças aos esforços do crítico literário Nestor Vítor.
Faleceu tuberculoso e miservalmente, na cidade de Sítio, Minas Gerais, a 19 de março de 1898. O cadáver, ainda fora do esquife, chegou ao Rio de Janeiro, num vagão de cavalos. A desgraça continuou a persegui-lo, mesmo depois de morto.
“A família do Dante Negro não tardou a desaparecer. Vítima da tísica, Gavita faleceu a 13 de setembro de 1902. Logo depois, morreu um filho. O quarto – filho póstumo – cursava o Pedro II quando a tísica o vitimou em 1915, aos 17 anos (Ed. Cit., p. 168)”, escreveu Abelardo F. Montenegro. Enganou-se, este deixou uma companheira grávida, que perpetuou a descendência do poeta negro.
Jorge Bastide, sociólogo francês que viveu longos anos no Brasil, coloca o poeta catarinense ao lado de Mallarmé e Stephan George, formando uma “tríade” parnasiana mundial. Cruz e Souza, em vida, foi discriminado por brancos e negros.
Quando da fundação da Academia Brasileira de Letras seu nome foi excluído, história que está contada por outro biógrafo, Raimundo Magalhães Junior (São Paulo: Poesia e vida de Cruz e Souza, Editora das Américas, 1961, páginas 151 a 159). Trata-se de mais uma exclusão levada a efeito pelos brancos, muitos deles abolicionistas. O pior é que entre eles havia mulatos, como Machado de Assis.
Já no que se refere à discriminação que lhe votavam os negros sirva esta passagem de Uelinton Farias Alves: “Nestor Vítor revela, em depoimento prestado a Andrade Murici, e que este publicou em suas memórias, no livro ‘O Símbolo – A Sombra das Araucárias’ (Ed. 1976), que um dos seus infinitos motivos de gratidão para com ‘Catita’ – como chamavam, na intimidade, d. Catarina, sua esposa – era pelo tratamento por ela dado a Cruz e Souza e sua respectiva mulher. Quando o casal de negros era convidado para jantar em casa de Nestor Vítor ‘não havia outro remedo senão mandar as criadas passear’. Elas recusavam-se a servir aqueles negros. Quem servia, com grande carinho, mas, também, sem exagerar a gentileza, para não acentuar aquilo que representava, na época, verdadeira abnegação, era Catita”. (Florianópolis: Reencontro com Cruz e Souza, Papa-Livro Editora, 1990, págs. 30/31).
A maneira com que a intelectualidade brasileira, salvo raras exceções, vem tratando o sesquicentenário de Cruz e Sousa faz parecer que continua tudo com dantes no quartel de Abrantes.
(Publicado no Jornal Rotta, Ano 11, II Fase, Nº 209, Passo Fundo, 01 a 15 de outubro/201

Nenhum comentário:

Postar um comentário