domingo, 9 de outubro de 2011

Baptista Pereira: opositor do castilhismo-borgismo

Paulo Monteiro
Estudando a ditadura castilhista-borgista acabei relendo “O Rio Grande do Sul e suas Instituições Governamentais: Estudos de Política Constitucional”, de R. de Monte Arraes (Rio de Janeiro: Typographia do Anuário do Brasil, 1925), obra clássica sobre o tema. O Autor, além dos federalistas e dos assisistas coloca entre os opositores do castilhsimo-borgismo, os ruístas, “elementos radicados no plano superior da política federal, onde, por muitas vezes, têm encontrado no caminho de suas ambições, o entrave que lhes opõe a consciência cívica do partido republicano rio-grandense. Esse grupo era sobre tudo constituído pelos partidários, pelos admiradores incondicionais do talento deslumbrante e ilusionista de Rui Barbosa”.
Monte Arraes se referia, fundamental, mas indiretamente a Antonio Baptista Pereira, que realizara uma série de palestras denunciando o castilhismo-borgismo, que acabaram reunidas em dois livros: “Ruy Barbosa e o Rio Grande do Sul” (São Paulo: Monteiro Lobato & Cia. Editores, 1923) e “Pela Redempção do Rio Grande” (São Paulo: Livraria Academica Saraiva & C. – Editores, 1923). Esse gaúcho de Pelotas, formado pela Faculdade do Largo São Francisco, foi promotor de Justiça, assessor de Rio Branco, secretário de Rui na Conferência de Haya, casou com uma filha de Rui de quem foi secretário em Buenos Ayres. Homem de memória prodigiosa, poliglota, polígrafo e polimata, é considerado filho espiritual do autor de Cartas da Inglaterra.
Em 1924 concorreu a uma cadeira na Câmara dos Deputados, percorrendo o Rio Grande do Sul, em campanha eleitoral, denunciando de viva voz os desmandos da situação dominante. Foi um breve envolvimento com a atividade partidária, pois, não sendo eleito, dedicou-se de corpo e alma à publicação de obras onde expunha suas idéias a cerca do Brasil e seu povo. Vitoriosa a Revolução de 30 foi um dos primeiros intelectuais a denunciá-la, nos aspectos cesaristas que herdara do positivismo político rio-grandense. Apoiou a Revolução Constitucionalista, o que o levou à prisão.
Para Baptista Pereira o castilhismo-borgismo é a versão rio-grandense mais acabada da caudilhagem platina. Em Ruy Barbosa e o Rio Grande do Sul lembra um parecer que ficou incompleto, com o falecimento do constitucionalista, onde mostra a inconstitucionalidade da Constituição Rio-Grandense em face da Constituição Federal. Relaciona uma série de absurdos, inclusive a existência da Pena de morte no Rio Grande do Sul, batendo de frente com a carta maior da União. Via o Rio Grande foram da federação Brasileira.
Baptista Pereira, em diversas obras que publicou, como “Civilisação Contra Barbárie” (São Paulo: Rossetti & Camara, 1928), “Directrizes de Ruy Barbosa” (São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1932) e “Vultos e Episódios do Brasil” (São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1933), sempre defendeu o fortalecimento das Forças Armadas, e combateu o militarismo. Para ele, o castilhismo, sempre foi o elemento instigador do golpismo militar, constituindo-se, pois, no inimigo maior da democracia e da liberdade, como afirmou em “Bello Horizonte e o Rio Grande do Sul”, conferência reunida em “Pela Redempção do Rio Grande” (Ed. Cit. p. 151).
Com a lógica de ferro que o tornou um dos mais respeitados promotores públicos do Brasil, Baptista Pereira, na mesma conferência de Belo Horizonte elabora um dicionário da ditadura castilhista-borgista, encerrado com os termos seguintes: “(...) Os adversários reclamam? São infames percevejos. É como a Federação chama aos adversários. Desta vez o adjetivo é bem cunhado e foi bebido na mais pura fonte da tradição caudilhesca: é de Rosas, o sinistro déspota argentino, que acabava todos os atos oficiais com a imprecação crassilingue: que mueram los infames y selvajes unitários”. (Op. Cit., p. 158).
Denuncia o desrespeito à soberania nacional com a contratação de mercenários uruguaios para combaterem os revolucionários de 23. Entre esses bandidos nominava o degolador Paredes, que segundo o próprio Flores da Cunha, comandante de forças legalistas, costumava lamber a faca “para limpá-la e ao mesmo tempo beber o sangue das carótidas inimigas”. Esses mercenários eram comandados por Nepomuceno Saraiva, filho de Apparicio Saraiva e sobrinho de Gumercindo Saraiva, “heróis” de 93.
Não ficam por aí, as denúncias de Baptista Pereira, nesse documento, que está a exigir uma reedição. À página 185 da obra em epígrafe, ainda na mesma conferência que venho citando, transcreve dois artigos da Lei Eleitoral do Estado do Rio Grande do Sul, assegurando o direito de que até os mortos votassem:
“Art. 145. – Exibido o título, sob nenhum pretexto se recusará o voto ao eleitor, ainda que não esteja ele incluído na lista de chamada ou no registro do município (Lei n. 153, art. 95).
Art. 146. – Não compete à mesa entrar na apreciação da identidade da pessoa do eleitor, qualquer que seja o caso.
§ 1.º - Se a mesa reconhecer que é falso o título apresentado, ‘ou que pertence a eleitor notoriamente falecido ou ausente’, tomará em separado o voto”.
Em “Civilisação Contra Barbárie” (é essa a grafia no original) defende a tese de que o Império Brasileiro, ao ter um centro político, significava a civilização contra a tendência bárbara do federalismo extremado, que representava os anseios dos chefes locais, o caudilhismo, que contribuiu para o esfacelamento do Império Espanhol nas Américas. E é essa separação do Rio Grande da comunhão brasileira, que ele denuncia ao longo de suas obras.
Antonio Baptista Pereira é o mais típico vulgarizador do pensamento de Rui Barbosa, com relação ao positivismo político sul-rio-grandense, que teve sua manifestação prática, em nível regional, com a ditadura castilhista-borgista, e, nacionalmente, pouco depois, com o Estado Novo getulista. As duas ditaduras tiveram no pernambucano Raimundo de Monte Arraes um dos seus teóricos e defensores mais representativos. No estado-novismo, porém, o herdeiro intelectual de Rui estava mergulhado na pesquisa de fenômenos internacionais. Seu nome, a exemplo de tantos outros, foi apagado da história intelectual do Rio Grande do Sul, pelos continuadores da caudilhagem.

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