domingo, 9 de outubro de 2011

O Tratado de Tordesilhas

Paulo Monteiro

No dia 7 de junho passado lembramos os 517 anos da assinatura do Tratado de Tordesilhas, uma conferência de mediação entre o papa Nicolau V e representantes das Coroas Portuguesa e Espanhola, na cidade de Tordesilhas (Espanha), para definir um “critério” de posse das novas terras descobertas, em vista do ciclo das grandes navegações que iniciavam, tendo os países da Península Ibérica como líderes desse fato histórico.
Na medida em que Portugal e Espanha se lançaram aos mares e deram notícias sobre novas terras, a Europa mudou o conceito estratégico de geopolítica. As navegações permitiram a expansão do colonialismo e o desafio do contato com novas civilizações, a expectativa de abastecer as metrópoles das necessidades emergentes e a esperança em aumentar seus domínios territoriais.
O Brasil, sem dúvidas, é fruto do Tratado de Tordesilhas. Pedro Álvares Cabral, as expedições exploradoras e colonizadoras, os governadores gerais, capitanias hereditárias, o governo dos vice-reis, o envio de desterrados e colonizadores, as políticas de miscigenação para procriação e ocupação, principalmente as entradas e bandeiras e toda a expansão territorial para o sul além de Laguna, tem fundamentação no Tratado de Tordesilhas e seus sucedâneos. Inclusive, um dos argumentos do ditador paraguaio Francisco Solano Lopes, em seu desejo de buscar saída para o mar, no território brasileiro já consolidado, fundamentava-se no antigo documento.
A revista Somando, através da pesquisa do historiador Paulo Monteiro, nessa reportagem, dá início à publicação dos tratados territoriais entre as coras Portuguesa e Espanhola.

*Paulo Monteiro

Moacyr Flores, no seu Dicionário de História do Brasil (Porto Alegre, EDIPUCRS, 2ª Edição Revista e Ampliada, p. 601), assim define o famoso Tratado de Tordesilhas:
“TORDESILHAS. Portugal iniciou a era das navegações ao longo da costa da África, em busca do Caminho das Índias, sob a orientação do infante D. Henrique, no promontório de Sagres. Embaixadores portugueses pediam ao Papa em Roma as bulas necessárias para garantir a posse das descobertas. A bula do Papa Nicolau V, de 8.1.1454, concedeu ao rei de Portugal e a seus sucessores a soberania sobre a conquista da África desde o Cabo Bojador, toda a Guiné e ilhas adjacentes. Por este motivo o rei D. João II contestou as descobertas de Colombo, a serviço da Espanha, dizendo que eram terras de Portugal. Em 1486 Fernão Dulmo, a serviço de Portugal, chegara nas Antilhas. Em 3.5.1493, o Papa Alexandre VI outorgou uma bula concedendo terras à Espanha além de um meridiano marcado a 100 léguas das ilhas de Cabo Verde ou dos Açores. D. João protestou e os representantes das coroas de Portugal e de Castela se reuniram em Tordesilhas, assinando, em 7.6.1494, um tratado em que o meridiano ficou a 370 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde. Com esse tratado, parte do Brasil, o Atlântico sul e o oceano Índico ficaram pertencentes a Portugal.”
Eis, em suma, os antecedentes e o que foi, no papel, o Tratado de Tordesilhas. Documento fatídico, responsável por diversas guerras, destruição, e um número incontável de mortes de portugueses e espanhóis. Sobre isso já se escreveram alentados volumes, muito se discutiu e há de se discutir, ainda.
Affonso D’E. Taunay, em sua clássica História das Bandeiras Paulistas, Tomo I, (São Paulo, Edições Melhoramentos, s/d), à página 25, resumindo essa confusão, escreve que essa linha chegou a ser puxada até Cabo Frio, “reduzindo o Brasil a um décimo do que hoje é”.
Amadeu Fagundes de Oliveira Freitas, à página 116 de Geopolítica Bandeirante – Parte Primeira – Sudoeste Brasileiro – Volume I (Porto Alegre, Editora EMMA, 1975), reproduz diversas dessas linhas, cujos pontos imaginários por onde passaria o limite oeste fixado pelo Tratado de Tordesilhas, vão do Cabo Frio, no atual Estado do Rio de Janeiro, a Lima, no Peru. Isso se deve ao fato de que o texto do Tratado não fixava o local exato de onde partiria a contagem das 370 léguas.
Se as guerras foram muitas entre as duas coroas ibéricas, diversas foram as tentativas para pacificar as duas nações.
Jaime Cortesão, autor de várias obras fundamentais para o entendimento da ocupação portuguesa da América, em que toda essa encrenca de tratados e mais tratados é esmiuçada, transcreve, na íntegra, o Tratado de Madrid (13.1.1750), que resume as pendengas anteriores, em seu ARTIGO I:
“O Presente Tratado será o único fundamento, e regra, que ao diante se deverá seguir para a divisão, e Limites dos dois Domínios em toda a América, e na Ásia; e em virtude disto ficará abolido qualquer direito e ação, que possam alegar as duas Coroas por motivo da Bula do Papa Alexandre VI de feliz memória, e dos Tratados de Tordesilhas, de Lisboa, de Utrecht, da Escritura de venda outorgada em Saragoça e de outros quaisquer Tratados, convenções e promessas; o que tudo, em quanto trata da Linha da demarcação, será de nenhum valor e efeito, como se não houvera sido determinado, ficando em tudo o mais na sua força e vigor; e para o futuro não se tratará mais da dita linha, nem se poderá usar deste meio para a decisão de qualquer dificuldade, que ocorra sobre Limites, senão unicamente da fronteira, que se prescreve nos presentes Artigos, como regra invariável, e muito menos sujeita a controvérsias”.
Esse documento está disponível na reedição fac-similar de O Tratado de Madrid, em dois volumes, de Jaime Cortesão (Brasília, Senado Federal, Tomo II, a partir da página 361). Infelizmente, as guerras continuaram, com a chamada Guerra Guaranítica, entre 1752 e 1756. Dessa Guerra sobraram mais confrontos e a invenção do herói Sepé Tiaraju, criação literária de Basílio de Magalhães com o poema Uraguai (1679), de Basílio da Gama, amplificada pelo poemeto O Lunar de Sepé, escrito por Simões Lopes Neto, em 1913, conforme resume Moacyr Flores em Sepé Tiaraju – história e mito (Porto Alegre, EST Edições, 2006).
Para o Rio Grande do Sul, essa bagunça militar entraria em seu ocaso apenas em 1801, com a Conquista das Misões, e nos primeiros anos do século XX, mediante acordos com a República do Uruguai.
Em linhas muito gerais, eis o que foi o Tratado de Madrid, de 1750, pois há outro com o mesmo nome, de 9 de setembro de 1801 “que estabeleceu a linha divisória no Rio Caranapanatuba”, segundo escreve Moacyr Flores, à pagina 606 do dicionário acima citado. Na verdade, esse rio, seria o Carapanatuba, no atual Estado do Amapá.
*Membro da Academia Passo-Fundense de Letras.
(Transcrito da Revista Somando – Edição 172 – Ano XVI – Julho/2011 – páginas 27/27)

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