domingo, 9 de outubro de 2011

Emílio da Silva e seu século

Paulo Monteiro (*)

Durante vários dias frios e chuvosos de junho passei acompanhado de um belo livro de história local: Emílio da Silva e seu século (Jaraguá do Sul. Desing Editora, 2011). Trata-se de uma obra volumosa, com 872 páginas, escrita por José Alberto Barbosa, um mineiro de Cambuquira, há mais de meio século vivendo entre o Paraná e Santa Catarina. Em Maravilha, onde exerceu o ministério público estadual, conheceu o poeta Juca Ruivo e agauchou-se.
Estudioso e divulgador da obra do poeta de Tradição, juntamente com José Isaac Pilati, ao biografar Emílio da Silva, historiador jaraguaense, produziu um livro que é modelo para os historiadores locais. “Emílio da Silva foi político integralista, professor e pesquisador de trajetórias”, assim o historiador Ademir Pfiffer resume a vida do biografado, que nasceu a 1º de novembro de 1900 e faleceu em 3 de julho de 1999, com 98 anos.
José Alberto Barbosa insere o historiador do Vale do Itapocu em sua época, em seu século, para empregar a mais clássica expressão em Língua Portuguesa. De início apresenta um amplo painel da Santa Catarina do primeiro terço do século XX, continua mostrando o aparecimento do Nazismo e do Integralismo naquelas plagas.
Escritor torrencial, José Alberto Barbosa, inunda o Vale com a enchente de sua prosa, ondulando humanismo. Os longos capítulos que dedica ao Integralismo, como Os Pensadores Integralistas (págs. 442 a 492), Verdes, pardos, cáquis e marrons (págs. 541 a 551) e A Noite dos Tambores Silenciosos (págs. 559 a 575), não poderão ser ignorados por quem quer que deseje, com seriedade, estudar aquele importante período histórico.
Talvez, os largos anos dedicados ao Ministério Público, transformaram José Alberto Barbosa num investigador atilado. Vai à raiz das coisas. Para o leitor mais apressado, a personalidade marcante de Emílio da Silva desaparecerá dentro do “seu século”.
A história local tem sido, desde gregos e romanos que a criaram, um criatório de gênios e monstros. Há pouco, lendo Civilisação Contra Barbárie (isso mesmo, Civilisação, com “s” em vez de “z”), de Baptista Pereira (São Paulo: Rossetti & Câmara, São Paulo, 1928), pude comprovar esse processo que contribuiu para que caudilhos platinos fossem transformados em heróis nacionais e suas imagens circulassem até nas procissões ao lado do panteão católico. Degenerados, responsáveis pela degola de milhares de homens, mulheres e crianças, elevados à santificação por intelectuais.
Emílio da Silva e seu século rompe com essa prática. O homem cresce no tempo e no espaço. Apenas no tempo e no espaço se torna sujeito histórico, artífice da história. Fora disso é uma ficção, um mito, pura mentira. E porque mostra o seu biografado um ser humano, inserido em sua época e num ponto geograficamente definido, José Alberto Barbosa produz um livro que deve ser lido e absorvido criticamente por tantos quantos se dediquem à escrita e ao estudo da História.
Longe de mim, afirmar que Emílio da Silva e seu século é uma obra prima. Escrevo com todas as letras e digo com todas as palavras: é um livro a ser tomado como modelo.
O autor de Jaraguá do Sul – A Povoação do Vale do Itapocu aparece de corpo inteiro na biografia que está sob meus olhos. Lê-la foi uma satisfação, um prazer e um aprendizado. Ali encontrei o conforto de que não estou sozinho no mundo, de que há tantos outros que estudam a história com seriedade e destemor, como Nelson Hoffmann, nas Missões, e Enéas Athanasio, ali mesmo, em Santa Catarina. São homens como aquele Vicente Fidel Lopez, de que nos fala Baptista Pereira entre as páginas 118 e 123 de seu livro. Atacado pela malta dos adoradores do caudilho Juan Manoel Rosas não se intimidou. Resumindo sua posição nestas palavras: “Só eu, só eu sou o juiz do limite das minhas palavras. Hão de ouvir-me quer queiram quer não”!
Também, apenas o historiador deve ser o juiz das suas palavras. Não deve sujeitar-se aos poderosos do dia que, ao fim e ao cabo, terminam sendo os poderosos de todos os dias.
Homem simples, que sempre comeu o pão do suor do seu rosto, que jamais se afastou dos princípios pelos quais sofreu até as agruras do cárcere, Emílio da Silva escreveu a história de sua terra, norteado por suas ideias. Nada mais justo do que Emílio da Silva ter encontrado quem lhe biografasse na pessoa de alguém, como José Alberto Barbosa, que é juiz de suas próprias palavras. (Publicado no JORNAL ROTTA, Ano 11, II Fase, Nº 207, Passo Fundo, RS, de 01 a 31 de agosto de 2011, p. 6).
(*) Paulo Monteiro pertence à Academia Passo-Fundense de Letras e diversas entidades culturais de Passo Fundo e do exterior. Autor de quatro livros e centenas de artigos e ensaios sobre temas literários, históricos e culturais.

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